Jesus alimenta cinco mil pessoas ou a multiplicação dos pães e dos peixes.
1. A hora já ia muito adiantada, quando os discípulos se aproximaram e disseram: «O lugar é deserto e a hora vai adiantada. Manda-os embora, para irem aos campos e aldeias comprar de comer.» (Mc 6:35-36)
Os discípulos aconselham ao mestre que disperse a multidão, que estabeleça o cada um por si – a opção liberal.
2. Erguendo o olhar e reparando que uma grande multidão viera ter com Ele, Jesus disse então a Filipe: «Onde havemos de comprar pão para esta gente comer?» Dizia isto para o pôr à prova, pois Ele bem sabia o que ia fazer. (Jo 6:5-6)
O mestre não aceita o conselho e dispõe-se a dar-lhes uma lição de Economia e, enquanto líder, presta-se a assumir a responsabilidade pelo suprimento das necessidades da multidão.
3. Filipe respondeu-lhe: «Duzentos denários de pão não chegam para cada um comer um bocadinho.» (Jo 6:7)
Mas um discípulo avisa o mestre que ele não dispõe da verba necessária para assumir tal responsabilidade. O que faz Jesus? Aproveita a ocasião para se ver livre dos fariseus ricos, que o seguiam com intenção de o matar, incitando a multidão a tirar-lhes as bolsas cheias de dinheiro para poder comprar o pão que lhes saciaria a fome – a opção comunista? Faz um discurso inflamado à multidão sobre a justiça social, estabelecendo a expropriação mútua das posses individuais no seio da multidão seguida da entrega à sua pessoa e aos discípulos do espólio resultante para redistribuição igualitária – a opção socialista? Ou apela ao bem estar social e estabelece um tributo a cobrar à multidão para recolher a quantia necessária à satisfação das necessidades colectivas – a opção social-democrata? Não, ele não impõe absolutamente nada.
4. Disse-lhe um dos seus discípulos, André, irmão de Simão Pedro: «Há aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?» (Jo 6:8-9)
Jesus espera que alguém dê de livre vontade do que possui – a opção cristã. Pão de cevada, o pão dos pobres, e apenas dois peixes – a dádiva de gente humilde envergonhadamente enviada por uma criança.
5. Jesus tomou, então, os cinco pães e os dois peixes e, erguendo os olhos ao céu, pronunciou a bênção, partiu os pães e dava-os aos seus discípulos, para que eles os repartissem. Dividiu também os dois peixes por todos. Comeram até ficarem saciados. E havia ainda doze cestos com os bocados de pão e os restos de peixe. Ora os que tinham comido daqueles pães eram cinco mil homens. (Mc 6:41-44)
Em seguida, diz uma boa palavra sobre (abençoa) a dádiva e, dando o exemplo, inicia o processo de partilha. A partir deste momento está lançado aquilo que os economistas chamam o fluxo económico ou fluxo circular: a cada um chega algo do que circula e, simultaneamente, ele põe em circulação algo do que detinha.*
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*Já julgo ouvir alguns que perguntam: mas, afinal, não ocorreu ali nesse dia um milagre? Claro que sim. Até lhe deram um nome: o milagre da multiplicação dos pães. A pergunta difícil não é essa, mas outra: qual terá sido a verdadeira natureza desse milagre? Poderia Jesus ter feito aparecer do nada pães e peixes para aquela gente toda? Acredito que sim. Mas, sinceramente, não me parece que tenha sido isso que sucedeu. O milagre, na minha mais que modesta opinião, terá sido pôr aquela gente toda a partilhar do que tinha trazido. Só quem nunca viveu no campo ignorará que camponês algum se põe a caminho sem levar qualquer coisa para comer – um farnel, uma merenda, uma bucha de pão se mais nada tiver. O milagre da Economia está na partilha de muitos. A Economia não tem origem nas grandes acumulações de capital – aliás, estou mesmo convencido que os ricos fariseus comeram naquele dia do que o povo lhes deu sem darem nada de seu (não é o que fazem sempre que podem?). A Economia não é sustentada pelas grandes empresas, que hoje empregam muita gente mas amanhã a despedem, que hoje estão aqui mas amanhã estão noutro lado qualquer (deslocalizadas, como agora se diz). A Economia saudável é construída pelos muitos que produzem pouco cada um, mas muitíssimo no seu todo (das 370 mil sociedades comerciais que existem hoje em Portugal, 320 mil são microempresas e asseguram cerca de 40% do emprego no país). Será mesmo possível que os neo-economistas ocidentais tenham perdido o conhecimento de algo tão absolutamente fundamental? Ocidentais, digo, porque os orientais ainda parecem saber.
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